Toda criança merece um futuro — faça já sua doação!

Um pai em busca da cura

Por Paula Rodrigues

GQ – 05/11/2024

Todo ano, em torno de 25 mil crianças pelo mundo são diagnosticada com meduloblastoma, o tumor cerebral infantil mais comum, principalmente na faixa de 4 a 9 anos. Em 2015, o primogênito do empresário Fernando Goldsztein, 57, acabou sorteado na “loteria ao contrário da vida”, como define o pai. Frederico, de apenas 9 anos à época, começou a apresentar sintomas como vômito, dor de cabeça e visão dupla. Um exame de imagem, infelizmente, detectou o tumor cerebral.

Duas décadas atrás, o próprio Goldsztein havia descoberto um tipo de câncer menos agressivo, curado com uma cirurgia. “Quando aconteceu comigo, perdi o chão. Agora, multiplica por mil vezes para pior. Foi o que senti quando ocorreu com meu filho. Só quem passou por isso consegue entender”, descreve. No momento de maior desespero, no entanto, ele tomou uma atitude que não só poderia ajudar Frederico como contribuir para o futuro da ciência.

Antes do turbilhão, Goldsztein, morador de Porto Alegre, casado e pai também de Henrique, 10, exibia uma vida tranquila. Formado em administração, ele é sócio da Cyrela, uma das maiores construtoras do país, da qual integra ainda o conselho administrativo. Pelas boas condições financeiras, após uma primeira operação emergencial no garoto, em 2016, a família toda se mudou para Boston, nos Estados Unidos, onde viveu durante um ano, para que o filho acessasse tratamentos menos agressivos.

 

As chances de cura para o medulo blastoma são de 65%, mas Frederico entrou para a estatística dos outros 35% e viu a doença retornar em 2019, dessa vez com metástase, quando as células doentes se espalham para outras partes do corpo. Sem opções, o menino começou a participar de ensaios clínicos ainda nos EUA, mas que não se voltavam especificamente para esse tipo de câncer – e se mostraram ineficientes. “Em 2021, contatei um médico de Washington chamado Roger Packer, uma das principais autoridades em tumores cerebrais infantis do mundo. Disse: Doutor Packer, quero fazer alguma coisa, quero que a ciência ande”, conta Goldsztein. “As crianças com tumor cerebral foram deixadas para trás pela sociedade. ”

Apesar da grande quantidade de pequenos diagnosticados anualmente com meduloblastoma, quando se leva em conta cada uma dessas vidas, a condição é considerada rara. Eduardo Ribas, neurocirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein, analisa o cenário: “Não possuímos no Brasil a melhor epidemiologia sobre essa doença, ou seja, a coleta de dados sobre qual é a porcentagem de pacientes, a raça, a idade deles. . . ”. Segundo o médico, a cirurgia sempre será necessária no tratamento. Depois, vem a radioterapia, exceto em menores de 3 anos, seguida de quimioterapia. “Ao pensar no futuro, a quimioterapia deverá ser a área que mais evoluirá, com o desenvolvimento de drogas de alvo molecular, mas ainda tudo é muito recente. ”

Sentindo que era hora de mudar o cenário, Goldsztein decidiu investir US$ 3 milhões próprios em uma ideia: montar um projeto com cientistas que, chefiados por Packer, pudessem pesquisar novos tratamentos. O que começou com quatro laboratórios (três nos EUA e um no Canadá) se expandiu, e agora são treze na América do Norte, um na Alemanha e a possibilidade de abrir o 15º centro de estudos em Israel.

Os resultados positivos começaram a surgir e energizaram o empresário, que estruturou a Medulloblastoma Initiative (MBI), organização que capta dinheiro de apoiadores privados para investir em pesquisas do Children’s National Hospital, em Washington, responsável por coordenar os laboratórios e distribuir os investimentos. “Esses cientistas trabalham de uma maneira cooperativa. Então, uma parte testa drogas novas ou as que já são usadas em outros tumores; a outra pensa em tratamentos de imunoterapia. A beleza é que esse grupo trabalha completamente em sinergia”, diz o fundador.

Os resultados alcançados em pouco mais de três anos dão esperanças ao coletivo. Em 2024, dois ensaios clínicos foram aprovados pela FDA, a agência reguladora dos Estados Unidos, para novas etapas. Um deles consiste no estudo chamado “Matchpoint”, que testou uma imunoterapia inédita em seis pacientes em recidiva, na Flórida. O tratamento, menos tóxico do que os atualmente disponíveis, se mostrou promissor ao eliminar quase completamente a doença em um paciente com metástase generalizada.

A outra aprovação veio para os testes de uma vacina de RNA, que utiliza células tumorais do próprio paciente para criar um imunizante personalizado e aposta na nanotecnologla a fim de construir um mecanismo de distribuição único. A combinação promete reprogramar o sistema imunológico para atacar o câncer. A previsão é que os ensaios comecem no primeiro semestre do ano que vem. Há ainda outros três tratamentos com pesquisas em andamento e que possivelmente serão submetidos à FDA em doze a dezoito meses.

“Vejo famílias fazendo homenagens aos entes queridos perdidos, e eu não quero isso. Quero salvar o meu filho. E, obviamente, hoje o projeto se tornou muito maior do que ele. São milhares de crianças beneficiadas, mas o impulso inicial foi esse. Assim, trazemos um senso de urgência. Quando temos a oportunidade de conversar com os cientistas, falamos para eles: isso não é um tributo a alguém, queremos resolver o problema agora”, atesta Goldsztein.

 

Frederico continuou com os tratamentos e acaba de completar 18 anos. Segue vida normal, com quadro de saúde estável. A história dele e da iniciativa do pai percorreu o mundo e chegou ao conhecimento de mais pessoas que passam por situações similares com o meduloblastoma. O empresário conta que, pela MBI, mantém contato com cerca de sessenta famílias em diversos países, a exemplo de Bélgica, Inglaterra e Irã. “Converso com todas elas, marco um bate-papo por vídeo chamada para conhecer uma por uma. É claro que não dou conselhos médicos, mas elas querem saber sobre o projeto, quando haverá tratamento. . . ” Depois, elas são encaminhadas à equipe de Packer.

No dia da entrevista com a GQ Brasil, Goldsztein havia acabado de sair de uma dessas ligações. Foi possível perceber a tristeza que sente ao saber desses casos. Muitas vezes, a família quer apenas desabafar, contar seu relato, e lá está ele aberto a ouvir. “Há situações que não têm mais saída, são extremas. É muito duro. De certa maneira, cada vez que falo com essas pessoas, me dá mais força para continuar, porque penso: “não é possível”. Isso me estimula a servir de exemplo para que outros, se tiverem condições, façam o que eu fiz para outras doenças”, analisa.

 

Até hoje, R$ 58 milhões foram captados para pôr o projeto de pé. A maioria dos apoiadores é de pessoas físicas, principalmente empresários brasileiros, mas o reconhecimento da MBI começou a se espalhar pelos Estados Unidos. O objetivo é conseguir mais doações por lá, onde a cultura da filantropia aparece mais difundida. Para Goldsztein, a sensibilização sobre essa enfermidade, e tantas outras deixadas em segundo plano, é fundamental para que mais gente se movimente em prol de algo importante para a sociedade.

Por isso, ele gosta de relembrar uma fala de 2023 proferida durante a apresentação de seu projeto no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), do qual é ex-aluno: “Disse que nós estávamos em uma escola de negócios, mas que queria passar a mensagem de que a vida não é só acumular, acumular, acumular. Para quem não pode doar nada em dinheiro, pode doar o tempo, um abraço”, afirma. “Empresários, gente que acumula muito mais do que as próximas gerações vão precisar. . . para mim, não há cabimento. E não falo isso para receber doações para o MBI. Falo sobre a pessoa escolher uma causa séria e doar para ela. Eu mesmo fazia muito pouco. Depois dessa sacolejada que recebi da vida, tudo mudou. Todos devem fazer a sua parte no mundo. ”

“Vejo famílias fazendo homenagens aos entes perdidos, e não quero isso. Quero salvar o meu filho. E, hoje, o projeto se tornou muito maior do que ele. ”